quarta-feira, 17 de maio de 2017

Amostra terceira parte Os Últimos Dias de Krypton



– Alguém pode me ouvir? Tem alguém aí?
O portal continuou em silêncio, um vácuo que drenava toda luz e som.
Para o próximo teste, Jor-El prendeu uma lente teleobjetiva de cristal a um telescópio que retirou de um equipamento ocioso numa das paredes do prédio de pesquisa. Cuidadosamente ele estenderia a haste com a lente através da barreira, permitiria que ela fotografasse o ambiente do outro lado e depois retiraria a ferramenta. Examinaria as imagens e determinaria qual seria o próximo passo. E testaria o ar, a temperatura e o ambiente daquele outro universo.
Mais cedo ou mais tarde, contudo, sabia que estava destinado a explorá-lo.
Prendendo a respiração, Jor-El estendeu a haste e empurrou a teleobjetiva de cristal para dentro do vazio com todo o cuidado e delicadeza.
De repente, como se uma grande ventania o tivesse engolido inteiro, ele se viu puxado para o outro lado, sugado para dentro da abertura com a vara e a lente. Em menos de um segundo, o cientista não estava em lugar algum, suspenso num vácuo negro e vazio – à deriva, porém mais do que isso, já que não conseguia sentir o corpo. Não sentia gravidade, temperatura nem conseguia ver luz alguma. Não parecia estar respirando, e nem precisava. Era apenas uma entidade flutuante, totalmente a par e ao mesmo tempo completamente desprendido da realidade. Como se estivesse olhando através de uma janela suja, ele avistou seu próprio universo.
Mas não conseguia voltar.
Jor-El gritou, até que rapidamente percebeu que ninguém podia ouvi-lo naquela dimensão totalmente estranha. Berrou mais uma vez em vão. Tentou se mover, mas não notou qualquer mudança. Estava perdido ali, tão perto de Krypton, mas infinitamente distante.

CAPÍTULO 2

Trabalhando com seus colegas estudantes de arte nas estruturas maravilhosamente exóticas, Lara não conseguia decidir se o design da propriedade de Jor-El era fruto de genialidade ou de loucura. Talvez as duas coisas fossem muito semelhantes para serem distinguíveis.
Rao brilhava sobre os “carrilhões de luz”, tiras ultrafinas de metal penduradas em fios tênues que giravam sob a pressão dos fótons, produzindo uma miríade de arcos-íris. Uma torre espiralada branca como leite, sem portas nem janelas, se erguia no centro da propriedade, como um chifre de uma gigantesca fera mitológica, que afunilava até ficar pontiagudo em seu ápice. Outros anexos eram estruturas geométricas singulares que cresceram a partir de cristais côncavos, cobertos com interessantes arranjos botânicos.
O solar do cientista solteirão era um labirinto irregular de arcos e cúpulas; paredes no interior que se encontravam formando ângulos irregulares, cruzando-se em locais inesperados. Um visitante que caminhasse em meio aquele traçado caótico podia facilmente se desorientar.
Embora Jor-El passasse a maior parte do tempo no tumultuado prédio de pesquisa, aparentemente havia percebido que faltava algo na propriedade que seu pai tinha lhe deixado. Paredes externas de pedra polida, brancas como giz, chamavam a atenção como se fossem telas em branco que demandavam alguma obra de arte. Para sua sorte, o grande cientista havia decidido fazer algo em relação a isso, e foi por essa razão que chamara uma equipe de artistas talentosos liderados pelos famosos pais de Lara, Ora e Lor-Van.
Lara queria deixar a própria marca, dissociada de seus pais. Era uma mulher feita, uma adulta independente e cheia de ideias próprias. Dada a chance, ela se achava capaz de criar uma obra característica que talvez até mesmo o próprio Jor-El notaria (se o belo, porém enigmático homem, se desse ao trabalho de sair um pouco do laboratório). Um dia Krypton a reconheceria como uma artista dona de uma imaginação própria e fértil, mas isso não era o bastante. Lara queria ir além, e não limitaria suas possibilidades. Além de uma artista, ela se considerava uma contadora de histórias criativa, uma historiadora, uma poetisa, e até mesmo uma compositora de óperas que evocavam a grandeza da interminável Era de Ouro de Krypton.
Seu cabelo comprido caía em cachos sobre os ombros, cada fio de tom âmbar repuxado. Como exercício, Lara havia tentado pintar um autorretrato (três vezes, de fato), mas nunca conseguiu reproduzir direito seus impressionantes olhos verdes nem o queixo pontudo ou os lábios em botão que se curvavam para cima em um frequente sorriso.
Seu irmão de 12 anos, Ki-Van, com o nariz levemente sardento, olhar curioso e cabelo desgrenhado da cor da palha, também viera para a área de trabalho, que lhe parecia uma maravilha em comparação com qualquer exposição montada em Krypton.
Em volta dos prédios principais, equipes de artistas em treinamento se agrupavam em torno dos pais de Lara. Mais do que apenas subordinados e assistentes, aqueles eram verdadeiros aprendizes que absorviam o que podiam de Ora e Lor-Van, para que um dia pudessem contribuir com seu próprio talento para a biblioteca cultural de Krypton. Eles misturavam pigmentos, erguiam andaimes e montavam lentes de projeção para transferir estampas que os mestres mais experientes haviam traçado na noite anterior.
Se os pais de Lara fizessem bem o seu trabalho, os kryptonianos já não se lembrariam do trágico desvanecimento e confusão que marcaram o fim da vida do pobre homem enquanto ele sucumbia à doença do esquecimento. Em vez disso, eles se lembrariam da grandeza visionária de Yar-El. Jor-El, com certeza, seria grato aos pais de Lara por isso. O que mais ele poderia lhes pedir?
Com o desembaraço da juventude, Lara se sentou de pernas cruzadas em um pedaço luxuriante de relva púrpura, uma variedade de grama encontrada nas planícies selvagens que cercavam Kandor. Ela ficou contemplando aquele que considerava um dos mais enigmáticos objetos do terreno: doze placas lisas feitas de pedras castanho-amareladas com nervuras se erguiam em volta das áreas abertas da propriedade, cada uma com dois metros de largura, três de altura e bordas irregulares. Os obeliscos eram como mãos lisas e erguidas, pálidas e sem manchas. Onze das pedras planas estavam dispostas em intervalos regulares, mas a 12.ª estava surpreendentemente deslocada em relação às outras. O que o velho Yar-El queria dizer com isso? Será que pretendia cobrir os obeliscos com mensagens incompreensíveis? Lara jamais saberia. Embora ainda estivesse vivo, Yar-El estava muito longe de poder explicar as visões presas dentro de sua cabeça.
Lara escorou a prancheta entre os joelhos. Ela usava uma caneta de ponta recarregável para mudar as cores da camada de alga eletromagnética, desenhando o que já havia pintado em sua imaginação. Enquanto seu pai e sua mãe pintavam murais épicos mostrando a história de Krypton, Lara já havia decidido que usaria aqueles doze obeliscos brancos para propósitos mais simbólicos. Se Jor-El deixasse. Ela ficava cada vez mais entusiasmada enquanto fazia planos para cada um dos painéis vazios.
Satisfeita com suas ideias, Lara congelou as imagens na prancheta e se levantou enquanto batia na saia branca iridescente para tirar os pedaços de grama. Exuberante e determinada, ela correu na direção do andaime onde os pais estavam decidindo qual seria a maneira mais dramática de pintar a Conferência dos Sete Exércitos, que havia ocorrido milhares de anos antes e mudado a sociedade kryptoniana para sempre.
Lara mostrou, orgulhosa, o que rascunhou em sua prancheta.
– Mãe, pai, vejam isto. Gostaria de ter a aprovação de vocês para um novo projeto. – Ela estava cheia de energia, pronta para começar a trabalhar.
Lor-Van havia amarrado seu cabelo ruivo em um elegante rabo de cavalo para que não caísse em seu rosto. Seus olhos castanhos e expressivos demonstravam o amor que sentia pela filha – assim como uma enorme paciência. Ele tendia a ser condescendente com Lara sempre que ela vinha com um de seus novos (e normalmente nada práticos) planos. Porém, ele ainda a via mais como uma criança do que como uma adulta.
Sua mãe, no entanto, era mais difícil de ser convencida. Ela tinha cabelos curtos, de tom âmbar e claro como o da filha, mas com mechas grisalhas; como sempre, algumas manchas de pigmento salpicavam o rosto e as mãos de Ora.
– O que você fez agora, Lara?

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