quinta-feira, 25 de maio de 2017

Amostra sexta parte Os Últimos Dias de Krypton


Os dois olharam para o céu escuro banhado de cores pastéis. Em anos anteriores, Jor-El havia desenhado e construído quatro telescópios de vários tamanhos de diafragma nos telhados desses prédios. Embora o Conselho jamais fosse “perder tempo” olhando para o firmamento, Jor-El havia se encarregado de fazer um detalhado levantamento do que via nas alturas. Ele olhava para as estrelas, catalogando os diferentes tipos, procurando por outros planetas que sabia estarem por lá. Não podia viajar para esses mundos fantásticos, mas pelo menos podia olhar. Talvez mais tarde ele resolvesse mostrar para Lara algumas das maravilhas distantes através do mais potente dos seus telescópios. Mas, por enquanto, estava vivendo um momento surpreendentemente agradável, só de ficar sentado ali.
Mais acima, de forma proeminente, havia os restos de Koron, uma das três luas de Krypton, e um dia o berço de uma próspera civilização irmã. Nenhum kryptoniano conseguia olhar para o céu sem evitar uma pungente sensação de perda. Jor-El refletiu enquanto acompanhava o olhar de Lara.

– Você já tentou imaginar quanto poder seria necessário para destruir uma lua inteira? Que tipo de ciência está por trás disso?
– Ciência? A ciência não foi responsável por tanta morte e destruição... Jax-Ur sim. Já li sobre esse tirano nos ciclos épicos. Nenhuma outra pessoa mudou tanto a história de Krypton.
Jor-El ficou surpreso com a veemência de sua reação. Lara certamente não tinha medo de dar sua própria opinião. Ele havia meramente se interessado em decifrar a física por trás daquelas armas assombrosas. Dardos nova, como eram chamadas. Que tipo de dispositivo poderia rachar um planeta ao meio e causar uma destruição tão inconcebível?
Há mais de mil anos, Jax-Ur havia tentado conquistar Krypton, assim como os outros planetas e satélites colonizados no sistema solar. O povo de Koron recusou-se a se curvar, por isso o déspota ameaçou usar as armas de aniquilação. Quando ainda se recusaram a capitular, Jax-Ur lançou três dardos nova. Depois que as armas destruíram a lua inteira, o tirano revelou que ainda tinha, pelo menos, outros quinze guardados em um local secreto.
Mas Jax-Ur havia diluído muito as suas forças: suas conquistas eram muito rápidas e bem separadas umas das outras. Sete generais rebelados reuniram exércitos desesperados de cidades-estados independentes que haviam sobrevivido às depredações patrocinadas pelo déspota. Os sete exércitos convergiram no grande lago no delta do Vale dos Anciãos, arriscando tudo para derrotar Jax-Ur. Um dos conselheiros de confiança do tirano acabou o traindo – se foi por razões nobres ou simplesmente para salvar a própria pele, ninguém sabe ao certo. O traidor envenenou Jax-Ur antes que ele pudesse lançar mais uma de suas armas, e o impiedoso e desprezado vilão acabou morrendo sem revelar onde o seu estoque de munição estava escondido.
Jor-El deixou sua imaginação vagar.
– Se eu pudesse encontrar um desses dardos nova, poderia descobrir como eles funcionam.
– Vamos esperar que ninguém jamais descubra esse depósito de munição. Ninguém deve ter acesso a tais armas. É por isso que tecnologias perigosas são proibidas em Krypton.
Ele lhe dirigiu um sorriso melancólico.
– Ah, sim, sei disso muito bem. Bati cabeça muitas vezes com a Comissão para Aceitação da Tecnologia.
Depois da derrota de Jax-Ur, os líderes dos sete exércitos estabeleceram uma paz duradoura, e os kryptonianos voltaram a atenção para outras maneiras que tinham de salvar sua civilização. Como Jax-Ur havia aprendido como fabricar seus dardos nova com um visitante alienígena, os líderes de Krypton optaram por obstruir qualquer influência externa. A Conferência dos Sete Exércitos havia banido todas as viagens interestelares, todo o contato com raças potencialmente destrutivas e todas as tecnologias perigosas.
Lara olhou para a lua destruída.
– Eu adorava ler os ciclos históricos. Naqueles tempos, toda a vida era parte de um épico. Os kryptonianos possuíam paixões e sonhos.
Jor-El não conseguiu dissimular totalmente o seu sarcasmo.
– Mas agora o Conselho diz que temos tudo de que podemos possivelmente precisar e devemos nos julgar satisfeitos. Nada de novas descobertas. Nada de progresso.
Suas sobrancelhas se franziram, formando um sulco em sua testa. Seus olhos verdes irradiavam o mais incrível dos fulgores. Ela parecia muito viva.
– Mas se não aspirarmos a melhoras em nós mesmos, acabaremos abrindo mão do entusiasmo na vida.
Jor-El olhou para a moça e sorriu.
– Eu não poderia ter dito isso de forma melhor. Sou ávido por todos os ramos diferentes da ciência... física, química, arquitetura, ótica. A astronomia é a minha maior paixão.
Lara tocou no braço dele com a ponta dos dedos, surpreendendo-o.
– Olhe para nós... uma artista e um cientista. À primeira vista, parecemos completamente diferentes, porém, somos mais parecidos do que eu poderia imaginar. Meus pais querem que eu me especialize em pintura de murais, assim como eles, mas também amo música, história, ciclos épicos. Não quero ficar presa a uma única área do conhecimento.
– Sim, entendo. Bem, não essas coisas especificamente. Nunca consegui descobrir o tom de sinfonias ou de óperas. Do ponto de vista clínico, reconheço que requerem um trabalho e uma imaginação significativos, além de certo nível de conhecimento. No entanto, não consigo deixar de coçar a cabeça e me perguntar o que tudo isso significa.
A risada dela era como música.
– Ah! Então você sabe como a maior parte das pessoas se sente em relação à sua ciência. Tudo nela é um mistério para todo mundo.
– Nunca pensei nisso dessa maneira.
– Você não sabe disso, Jor-El, mas insisti em participar desse projeto com meus pais por sua causa. Você sempre me fascinou... você e tudo o que representa. Queria estar onde a História de verdade está acontecendo.
– História?
– A História nem sempre tem a ver com antigas lendas ou registros. A História está sendo criada diariamente, e você a está criando mais do que qualquer kryptoniano vivo. Você pode muito bem ser o maior gênio nascido neste planeta.
Jor-El já havia escutado coisas parecidas antes, mas sempre lhes deu um desconto. Agora se sentia desconcertado por ouvir o mesmo dela, que riu discretamente ao notar que ele havia ficado ruborizado.
Ele rapidamente apontou para o céu.
– Veja, os meteoros estão prestes a cair. – Ele se sentia tímido demais para encará-la, mas sabia que ela o contemplava com aquele ar afetuoso no rosto. A cada mês, enquanto os cascalhos da lua orbitavam Krypton, a gravidade atraía os escombros. Fogos de artifício riscavam o céu noturno, irradiados de Koron como se o satélite ainda estivesse explodindo.
Lara foi ficando cada vez mais cativada enquanto a chuva se intensificava. Formando um risco após o outro, meteoros rasgavam o firmamento como se fossem unhas cintilantes arranhando o céu. Estrelas cadentes cintilavam, depois desapareciam.
– Nunca havia visto tantas.
– Essa é a vantagem de viver fora da cidade, onde o céu é mais escuro. Em Kandor, as luzes brilhantes impossibilitam a contemplação da maior parte dos meteoros. As trilhas são produzidas pela ionização do gás produzido pelo aquecimento decorrido da fricção do...
Com mais uma gargalhada, Lara fez com que ele interrompesse o discurso. O cientista não conseguia entender o que havia de tão engraçado, mas a jovem continuava a sorrir.
– Às vezes, Jor-El, uma explicação científica serve apenas para diluir a beleza. Observe e aproveite.
Sentando perto dela, ele se forçou a se recostar e contemplar a noite.
– Por você, vou tentar. – Ele de fato enxergou a beleza da chuva de meteoros para o seu próprio bem e sentiu-se exultante por fazer isso ao lado dela.
Enquanto Lara ainda se mostrava maravilhada com aqueles bólidos particularmente cintilantes, os pensamentos de Jor-El se voltaram para a Zona Fantasma.

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