domingo, 28 de maio de 2017

Amostra sétima parte Os Últimos Dias de Krypton

Mesmo no meio daquela agradável circunstância, ele não conseguia fazer com que sua mente de cientista parasse de trabalhar. Ele havia criado um buraco para outra dimensão, embora não fosse aquilo que esperava. Não era uma porta para mundos novos e fantásticos, e sim uma armadilha. Ele alimentava a esperança de poder viajar para inúmeros universos paralelos, mas agora não conseguia ver vantagem alguma naquele lugar vazio onde ficara preso, sozinho e à deriva. Antes que a Comissão para Aceitação da Tecnologia permitisse a administração de tamanha descoberta, ele teria que demonstrar alguma aplicação prática incontestável.
Quando terminou o show dos meteoros, Lara se espreguiçou.
– Está tarde. – Jor-El percebeu que os escombros cintilantes de Koron estavam mais próximos do horizonte a oeste; ele havia se perdido em pensamentos durante um bom tempo. – Obrigada, Jor-El, foi uma noite inesquecível.
– Um dia inesquecível. E amanhã eu vou levar a Zona Fantasma para Kandor. – Ele se levantou para levá-la de volta aos quartos de hóspedes onde seus pais, seu irmão caçula e todos os aprendizes estavam acomodados. – Preciso encontrar o comissário Zod.

CAPÍTULO 4

O grande estádio de Kandor era uma elipse perfeita com paredes altas, colunatas e arcos imponentes. Todas as camadas da sociedade kryptoniana compareciam às espetaculares corridas hrakka, sentando ombro a ombro em assentos esculpidos em calcedônias polidas.
Flâmulas trazendo insígnias das famílias mais nobres de Krypton adornavam os parapeitos do grande estádio, enquanto os espectadores se sentavam em setores limitados para que pudessem torcer pelos seus cocheiros favoritos. Assobiavam e gritavam para qualquer equipe de corrida que julgassem ser a mais empolgante, e suas atenções volúveis mudavam ao longo da competição.
Escadas castanho-amareladas incrustadas de poeira de cristal levavam o público de um nível de assentos para outro como se fossem cachoeiras de pedra. Camarotes privados e proeminentes estavam reservados para espectadores especiais. Os onze membros do Conselho Kryptoniano se sentavam nas fileiras centrais e tinham a melhor visão. Lá embaixo, os cascalhos castanhos haviam sido revolvidos para que a pista ficasse mais lisa e permitisse que as feras pudessem correr desabaladas quando despontassem.
O comissário Dru-Zod estava achando o evento, ao mesmo tempo, desconfortável e desinteressante. A luz do sol vermelho era quente e brilhante demais. Embora os sistemas de ventilação dispersassem ar fresco sobre a arquibancada, Zod ainda assim continuava suado. Do lado de fora, as coisas estavam fugindo do controle, e ele não gostava de perder o domínio da situação. A arena estava lotada e, do camarote onde estava sentado, podia sentir o cheiro do populacho apinhado.
Apesar disso, o comissário fingia estar se divertindo. Liderança tinha tudo a ver com manter as aparências. As grandes corridas hrakka eram um evento cultural, uma emoção circense para pessoas que não tinham nenhuma meta importante para alcançar. Zod tinha várias coisas mais importantes para fazer, mas não poderia levá-las a cabo se não agisse de acordo com as expectativas da população. Todos na capital se reuniam para esse espetáculo mensal. Isso os mantinha felizes. Isso os mantinha calmos. E os mantinha sob controle.
O camarote reservado para Zod estava localizado em uma fila mais empoeirada, dois níveis acima dos luxuosos camarotes privados dos membros do Conselho, onde a vista não era tão boa, mas o comissário não dava a mínima para o espetáculo. Como ele supervisionava a Comissão para Aceitação da Tecnologia, o Conselho de onze membros considerava que sua posição era subordinada à deles. Achavam que Zod cumpria alegremente suas ordens. E eram tolos. O sorriso em seu rosto era perfeito; um cabelo escuro bem-cortado e um bigode e barba benfeitos lhe davam uma aparência distinta.
Para o evento daquele dia, ele estava acompanhado de Vor-On, o filho caçula de uma família nobre sem quaisquer perspectivas.
– Será que o seu cocheiro vai vencer hoje, comissário Zod? Posso fazer outra aposta? – Ele cheirava a alguém que usava muito perfume para esconder o odor do suor. Vor-On era pouco mais que um bajulador, desconcertado e feliz por ter a atenção de Zod.
Depois de muitos anos de prática, Zod mantinha sua voz num tom cuidadosamente controlado.
– Eu espero que Nam-Ek venha a vencer, mas não se pode garantir essas coisas.
Vor-On se contorcia, quase sem conseguir conter o entusiasmo. Seu cabelo cor de ferrugem estava cortado com franja curta e bem quadrado atrás. Tal estilo, que estava bem popular naquele ano, era tão pouco refinado que lembrava uma peruca barata.
– Você está planejando alguma coisa, não? E está com a vitória no bolso. Qual é a surpresa, Zod? Conta pra mim.
– Se eu contar pra você, não vai ser mais surpresa. – Zod não havia feito apostas e não estava no evento em busca de lucros. Ele estava certo, no entanto, de que aquele homem chamado Nam-Ek cumpriria e iria além das expectativas; nisso, o mudo musculoso era bastante previsível.
Zod se inclinou para a frente, entediado. Vaporizadores borrifavam uma névoa úmida e refrescante no ar. Ambulantes tentavam vender bebidas geladas. Artistas usando espalhafatosas roupas de palhaço carregavam bandeirolas e fitas e dançavam ao longo da pista estreita lá embaixo, supervisionando os preparativos finais enquanto caíam de bunda no chão para divertir a plateia. A expectativa crescia a cada instante.
No meio de toda aquela entediante confusão, Zod avistou algo interessante. Mais acima, no vistoso camarote da nobre família de Ka, os convidados usavam roupas extravagantes e pomposas, absolutamente nada práticas, que seguiam a moda e não o bom senso. Os homens e as mulheres estavam sentados com roupas de golas altas, mangas pontudas, cinturas apertadas e tecidos plissados cravejados de tantas joias que provavelmente não conseguiriam se curvar para se esquivar, caso um assassino lhes lançasse uma adaga. Zod achava isso, ao mesmo tempo, divertido e repulsivo.
No entanto, o que chamou a atenção de Zod foi uma linda jovem que não parecia fazer parte daquele cenário. Seu cabelo escuro tinha um corte rente e despenteado. Ela não usava joia alguma. Seus olhos eram como poços escuros, suas feições eram as mais encantadoras, pois não se rendiam aos padrões de beleza kryptonianos. Suas calças de couro pretas e apertadas e o blusão largo e escuro foram desenhados mais para conforto e utilidade do que para ostentação. Ela se recostava, em vez de posar, no assento de pedra.
Zod imediatamente percebeu que aquela mulher era diferente de todas as nobres insípidas com as quais tinha que lidar todos os dias.
– Vor-On, quem é aquela criatura intrigante logo ali?
O ávido e nobre jovem acompanhou o olhar de Zod e fechou a cara, com ar de repugnância.
– Você não pode estar interessado nela, comissário!
– Por que eu tenho que me explicar? Fiz uma pergunta muito simples.
– Sim, comissário. É claro, comissário. Ela é a terceira filha da casa de Ka, algo como uma pária, algo constrangedor. Quando os pais tentaram renegá-la, ela fez uma retaliação apagando o seu nome de família. Ela insiste em ser chamada simplesmente de Aethyr.
– Maravilhoso!
– Vergonhoso! Ela se recusa intencionalmente a viver à altura da grande linhagem da sua família.
Zod coçou a barba, contemplativo.
– Porque ela faz coisas que eles desaprovam?
– Com certeza, comissário. Ela não gosta da família, e eles não gostam dela. Não sei por que ela insistiu em vir para as corridas de carruagens, por que iria querer ser vista ao lado deles em seu camarote.
Zod conteve um sorriso. Mesmo seu ingênuo companheiro não podendo compreender a razão, ele entendeu muito bem a resposta. Aethyr provavelmente saboreava o desconforto que causava, e o fazia de propósito. Ele achava que isso tinha o seu charme. Olhando em volta, ele percebeu que membros de outros camarotes nobres se voltavam para os assentos dos Ka, fechando a cara para Aethyr, e lhe dando as costas em seguida. Algo tão dolorosamente óbvio, tão artificial. Kryptonianos eram como atores em uma antiquada performance.
– Você não vê? Essa é a sua rebelião, e ela faz alarde em frente à família. – Zod riu. – Observe que quanto mais ela se aproxima, mais eles se encolhem. Para ela, é tudo um jogo. Aethyr é mais esperta do que todos os membros de sua família. Ela é um diamante bruto, Vor-On. De fato, é bem bonita.
Vor-On reagiu com horror.
– Talvez... se você pudesse vê-la por trás de tanta sujeira e imperfeição. E aquelas... roupas!
– Se quisesse, Aethyr poderia se vestir de acordo com as indicações de outras pessoas, mas nada poderia criar artificialmente aquele carisma natural.
Os clarins que anunciavam os preparativos soaram. Fanfarras tinham seu som amplificado por ressonadores, abafando o som de fundo que a plateia fazia. Mesmo sob o calor escaldante do sol vermelho, luzes ornamentais cintilavam do topo das colunas obsidianas cheias de sulcos em volta da área onde o Conselho estava acomodado. Vor-On se virou imediatamente para a pista, feliz por poder se concentrar em algo mais apropriado do que Aethyr.
Os portões que ficavam no nível do chão se abriram e as feras emergiram das sombras dos currais obscuros. Parelhas de hrakkas – robustos lagartos de pernas curtas, com cristas irregulares na cabeça – vieram rastejando, cada três deles acorrentados a um veículo flutuante. As criaturas verdes e castanhas se retesavam em seus manches enquanto cada equipe conduzia a sua biga para a área aberta. As peles escamosas traziam as marcas das nobres famílias patrocinadoras.
Zod apertou os olhos para ver seu próprio homem emergindo. Com a barba cerrada e ombros largos, Nam-Ek surgiu imponente conduzindo o veículo, segurando as rédeas com uma das mãos fortes. Zod escondeu um sorriso presunçoso enquanto a plateia começava a murmurar algo relativo às feras exóticas que estavam presas à carruagem de Nam-Ek.
O mudo havia subjugado lagartos de pele negra do continente selvagem no sul de Krypton. Adornados com chifres e espinhos ao longo de seus corpos, escamas de ébano e cristas escarlates nas cabeças, eram feras acostumadas a caçar e estripar suas próprias presas. Como treinador, Nam-Ek podia ser tão feroz quanto as feras, e já havia dado chicotadas para manter as três alinhadas. O corpulento condutor parecia estar totalmente confiante.
Quando todas as bigas estavam posicionadas na linha de partida, o calvo e idoso líder do Conselho, Jul-Us, subiu até o pódio principal. No meio de toda a gritaria que ressoava, Zod não conseguia fazer muito mais do que aplaudir educadamente. Embora o velho Jul-Us fosse popular em Kandor, Zod o desprezava por causa de sua alta posição. Ele poderia ter sido o cabeça do Conselho, mas devido a calúnias políticas e “aliados” desleais, Zod fora descartado e posto para tomar conta da Comissão menor como prêmio de consolação. Embora tivesse, no final das contas, obtido mais poder de tal posição do que qualquer membro do Conselho pudesse perceber, jamais se esqueceria de que havia sido injustamente desprezado.

Nenhum comentário: