quarta-feira, 31 de maio de 2017

Amostra oitava parte Os Últimos Dias de Krypton


Todos os olhares estavam voltados para Jul-Us enquanto ele erguia um longo cristal escarlate por sobre a cabeça, um fragmento simbólico que continha uma rajada de luz. Lá embaixo, todos os condutores das carruagens manobravam seus hrakkas impacientes, prontos para disparar em busca de uma boa posição assim que recebessem o sinal.
Meritoriamente, o líder do Conselho não era um homem que demandava atenção e elogios do povo de Kandor. Ele disse simplesmente:
– Que comecem as corridas! – Logo o velho partiu o fragmento escarlate ao meio, liberando um clarão intenso.
Os hrakkas dispararam, puxando seus arreios, irrompendo pela pista apertada. Com músculos rijos e longas garras que afundavam no cascalho, os lagartos negros de Nam-Ek avançavam. Ladeando o grande mudo, as equipes rivais de hrakkas se retesavam, tentando acompanhar as bestas selvagens.
A multidão gritava incentivando as equipes pelas quais torcia, agitando flâmulas e fazendo apostas de última hora. Alguns assobiavam, outros vaiavam. De pé, como se fosse uma divindade de pedra beatificada em frente ao seu camarote, Jul-Us assistia às grandes corridas.
Uma voz fraca, tingida de um medo de quem mal podia se controlar, interrompeu a concentração de Zod.
– Comissário, preciso falar com você!
Fazendo um esforço para se acalmar, Zod virou-se calmamente para trás. Logo atrás dele, usando uma capa vermelha brilhante e uma camisa com mangas bufantes, estava Bur-Al, o quarto na cadeia de comando na Comissão para a Aceitação da Tecnologia. O homem era um administrador, um funcionário que não tinha firmeza nem visão.
– Por que você está interrompendo minha apreciação da corrida? Meu homem, Nam-Ek, está na frente.
Bur-Al cruzou os braços com mangas bufantes.
– Comissário, seria melhor discutirmos essa questão em particular.
Zod lhe lançou um olhar intimidante.
– Então por que você veio para um lugar onde há milhares de pessoas reunidas?
O sujeito pareceu surpreso com a pergunta, mas depois falou abruptamente.
– Descobri seu segredo. Sei o que fez com todos os itens tecnológicos que considerou perigosos, as coisas que censurou.
– Por favor, guarde seus delírios para uma ocasião mais apropriada. – A multidão gritava e aplaudia. Até aquela altura, Vor-On nem havia notado a chegada daquele discreto visitante. Finalmente o comissário suspirou. – Muito bem, me encontre lá embaixo nos estábulos privados depois que a corrida acabar, onde não perturbaremos o resto do público. Nam-Ek guarda seus hrakkas por lá, e você sabe que ele não consegue falar palavra alguma. Agora me deixe em paz.
Arrebatado pelo espetáculo, Vor-On ergueu as mãos.
– Você viu aquilo, comissário? Foi incrível!
Na pista, uma das carruagens estava completamente destruída. Nam-Ek puxou suas rédeas, encorajando as criaturas sem precisar chicoteá-las. As bestas negras se arriscavam dando a volta no circuito, pisoteando o cascalho, correndo cada vez mais rápido. Zod sentia que Bur-Al ainda estava atrás dele, inquieto e enfurecido, mas o ignorou. Até que, finalmente, o administrador foi embora.
Algumas famílias nobres que haviam investido em equipes rivais começaram a reclamar em voz alta dos hrakkas negros. Por trás de portas fechadas, antes do início das provas, dois oficiais que cuidavam das corridas também haviam questionado a legalidade do uso de novas espécies. Nam-Ek pareceu ter ficado desamparado e agitado, incapaz de expressar verbalmente sua ansiedade, mas Zod, como sempre, fora a voz da razão, ao pedir para que os oficiais olhassem a carta com as regras. Nos registros velhos e empoeirados, ninguém havia definido exatamente o que era um “hrakka”. Na ausência de qualquer regra estabelecida que dissesse o contrário, os preconceituosos funcionários consentiram em deixar a equipe de Nam-Ek competir nas corridas.
Agora, enquanto os condutores entravam na terceira volta, dois dos times rivais fecharam o vão, tocando as criaturas verdes e douradas além dos seus limites de tolerância. Zod pôde ver que aqueles hrakkas provavelmente morreriam no final da corrida, o que, sem dúvida alguma, provocaria um escândalo em Kandor.
Assim que um dos hrakkas dourados passou ao lado da carruagem de Nam-Ek, a fera negra que estava mais próxima virou a cabeça e o açoitou com uma língua que mais parecia um chicote, arrancando um de seus olhos. A criatura ferida se ergueu para trás, enlouquecida, e cravou as garras no réptil com o qual dividia os arreios. De repente, a carruagem caiu para o lado e deu cambalhotas até quebrar. O condutor, que usava um traje de proteção e um cinto antigravidade, se ejetou dos destroços, incólume, enquanto as bestas jaziam feridas e moribundas.
Com os olhos arregalados, Vor-On olhou para Zod como se ele soubesse todas as respostas.
– Isso é permitido?
– Não é proibido pelas regras.
– Como não é proibido? Isso é... horrível.
– Há quem chame isso de algo inovador.
Zod se sentia excitado enquanto observava a cena. Os hrakkas de Nam-Ek atacavam violentamente com suas línguas a equipe que estava à direita, e também a destroçaram. Àquela altura, o grande mudo mantinha uma liderança incontestável. Zod nem ao menos precisou assistir ao resto da corrida; o resultado já estava consumado. Deixou Vor-On pegar os aperitivos que os serventes haviam deixado no camarote do comissário.
Enquanto todos os olhares estavam focados no clímax das corridas, ninguém notou Zod escapulindo discretamente. Ele tinha que descer até os estábulos e começar seus preparativos antes da chegada de Bur-Al.

Os hrakkas negros emanavam um aroma gorduroso das glândulas almiscaradas localizadas atrás de suas poderosas mandíbulas, mas os odores do estábulo não incomodavam Zod. Ele havia construído tais cercados adjacentes à grande arena; eram frios, escuros e também muito reservados. Para seus colegas nobres, os estábulos mostravam que o comissário não poupava extravagâncias para manter Nam-Ek, sua carruagem e seus hrakkas na melhor forma. Para Zod, no entanto, os estábulos serviam como o lugar perfeito para encontros que não deveriam ser observados.
Depois daquela corrida bastante disputada, Zod encontrou seu condutor nas reconfortantes sombras, e ficou em pé ao seu lado enquanto o mudo vitorioso puxava os três hrakkas negros para dentro dos cercados e prendia grossas correntes a ganchos na parede.
Suado e radiante, Nam-Ek bebia água fresca direto de um balde. Ele sorriu para Zod, que bateu de leve no seu ombro robusto em sinal de sincera congratulação. Embora pudesse estar faminto, o mudo não comeria até que terminasse de cuidar dos hrakkas. Os lagartos negros também estavam famintos por conta de toda a energia que haviam queimado durante a corrida, mas Nam-Ek teve o cuidado de não alimentá-los imediatamente. Na condição que estavam, acabariam se empanturrando e passando mal.
O grande condutor esfregou um punhado de óleo no couro dos hrakkas, dando às suas escamas um brilho vítreo perfeito. Ele trabalhava meticulosamente, massageando os músculos das feras. Os hrakkas rosnavam, sibilavam e ronronavam, mas não faziam nenhum gesto ameaçador contra Nam-Ek. Eles também estavam acostumados com Zod, que costumava ir com frequência aos estábulos para pensar e usar Nam-Ek como uma caixa de ressonância silenciosa. Ele achava revigorante o simples fato de poder exprimir suas opiniões sem ser interrompido por comentários idiotas.
Depois de dizer para o musculoso camarada o que precisava, Nam-Ek acenou bruscamente com a cabeça. Zod ainda podia ouvir sons emitidos pela multidão lá fora enquanto saía do estádio, um conversando com o outro, empolgados com o resultado da corrida.
Ele levantou os olhos e avistou uma figura esguia no vão da porta. Bur-Al viera exatamente do jeito que Zod o havia instruído a fazer. O comissário se inclinou contra a parede de blocos de pedra perto do cercado, olhando para o seu assistente de quarto escalão.
– Eu estava alimentando a esperança de que, passado esse tempo, você fosse cair em si, Bur-Al. Você fez algumas acusações preocupantes.
– Não são apenas acusações. Tenho provas, e você sabe do que estou falando. Nem tente me subornar!
– Quem falou de suborno? Jamais sonharia com isso. – Você não vale o investimento.
Bur-Al juntou toda a coragem que tinha.
– Fui um grande admirador do seu pai, e fico envergonhado de ver que não seguiu os passos dele. Você coloca ambições pessoais acima da perfeição de Krypton.
– Eu achava que Krypton já era perfeito. E não traga meu pai para a discussão. Ele era um grande líder visionário.
– Nisso, pelo menos, nós concordamos. Mas você transgrediu a lei! Todas as invenções perigosas submetidas à Comissão devem ser destruídas. Mas esse não é o caso, certo? – Bur-Al parecia de fato achar que tinha alguma vantagem.
– Se você é tão convencido, se insiste em dizer que não posso suborná-lo, por que diabos viria tratar do assunto aqui? Por que me confrontar? Isso me parece algo insensato e ingênuo da sua parte.
Bur-Al estava perturbado, como se não tivesse pensado na questão antes.
– Queria olhar na sua cara ao fazer minhas acusações. Queria ver os seus olhos... e você me mostrou que estou realmente com a razão.
Zod suspirou. O sujeito era um idiota.
– Por que precisava disso, se tem provas incontestáveis? Você não pensou direito, Bur-Al.
O jovem deu uma fungada, tomando o insulto como se fosse um distintivo de honra.
– Desculpe por não ser tão bem versado em fraudulências e maquinações quanto você, comissário.
Zod andou até onde Nam-Ek havia acabado de untar o terceiro hrakka e limpou as mãos em um trapo.
– Você não me deu nada com quem trabalhar e, o que é mais sério, fez com que eu perdesse o meu tempo. Esses poucos minutos de disparates são minutos que jamais terei de volta. Muito pouco eficiente. – Bur-Al cerrou os punhos. Zod se virou para Nam-Ek. – A única coisa que pode compensar tudo isso é tornar o evento mais divertido.
O condutor segurou as correntes com as mãos desprotegidas, as torceu, e arrancou o gancho da parede. O hrakka negro se levantou, agitado, rosnando. Nam-Ek arrebentou a segunda corrente, e depois a terceira.
– Eles ficam muito famintos depois das corridas – explicou Zod. – Você pode compensar a perda do meu tempo, pelo menos, fazendo com que eu economize o dinheiro que seria gasto em comida.
Os hrakkas pularam do cercado antes mesmo que Bur-Al percebesse o que estava acontecendo. Os lagartos negros caíram em cima daquele homem desafortunado, abocanhando-o e rasgando sua carne. As bestas estriparam o jovem administrador fazendo com que o sangue borrifasse no ar. Uma fanfarra musical ressoava do lado de fora do estádio enquanto o público ia embora, abafando os gritos. Os últimos espectadores que estavam de partida riam e gritavam. Aparentemente, os palhaços estavam correndo pela pista novamente, revolvendo o cascalho.
Bur-Al jazia se contorcendo no meio da areia e da poeira, enquanto os três hrakkas continuavam a refeição no estábulo às escuras.
Zod disse em um tom desprovido de qualquer emoção:

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